Iniciando a quinta semana da caminhada quaresmal, somos
chamados a olhar especialmente para Maria, a mulher que o Pai escolheu para ser
a mãe do Salvador. Como tal, ela não só gera o Filho, mas o acompanha em toda a
sua trajetória vital, assumindo com Ele os momentos de alegria, mas, sobretudo
os momentos de dor, como fazem as autênticas mães com seus filhos, num exemplo
eloquente de serviço desinteressado.
Na Quaresma de 2015, pela Campanha da Fraternidade celebrada
no Brasil, somos convidados a vivenciar a dimensão do serviço como resposta
concreta à fé e à caridade, na preparação para a Páscoa da Ressurreição. “Eu
vim para servir” é palavra de Cristo explícita no Evangelho (cf.Mc 10 ,45),
apontando para atitudes amplas do que podemos fazer pelos outros, seja no campo
individual, seja no comunitário seja ainda no campo social.
Nesta última semana da Quaresma, chamada Semana das Dores,
temos oportunidade de olhar para a Virgem de Nazaré, como mulher forte, fiel e
oferente, na qual o ideal de servir não é apenas um ato da generosidade humana,
mas um verdadeiro compromisso que nasce da fé. De fato, a fé em Maria se traduz
em servir, sabendo que assim pode cumprir a vontade do Pai. Disse ela ao Anjo
quando foi anunciada: “Eis aqui a serva do Senhor, cumpra-se em mim a tua
palavra” (Lc 1, 38).
Falar de Maria como servidora, nos remete também ao Dia da
Mulher, celebrado no dia oito de março, propondo reflexão sobre o valor e a
dignidade do elemento feminino, seu papel inalienável na vida social,
comunitário e familiar.
Em Maria encontra-se o olhar de Deus sobre a presença
feminina, criatura sua, no mistério da salvação, obedecendo a mística do
serviço, da forma proposta por Cristo. Na verdade Jesus indica o serviço como
condição para se tomar parte no projeto de Deus que quer o mundo como uma
família bem constituída, onde reine a paz, a felicidade e a coragem para
enfrentar serenamente os problemas e as dores inevitáveis nas condições desta
vida terrena, na estrada que leva ao Reino Definitivo, onde tudo é perfeito.
Por este ideal de família é que Deus, ao enviar seu Filho ao mundo, não quis
fazê-lo sem passar pela realidade doméstica, escolhendo uma mulher como porta
principal de sua vinda, ao lado de um homem, José, que lhe garante a condição
de esposa e a protege na condição de mãe, pois, sendo ele, homem justo, a livra
de perigos impostos por interpretações legalistas numa sociedade com marcas
machistas. Ambos estão imersos na fé inarredável de um Deus que em lugar de ser
servido, quer pôr-se a servir à pessoa humana, usando de sua infinita
misericórdia: “Eu vim para servir e não para ser servido” (Mc 10,45).
Em Maria, tudo se relaciona a Cristo, centro de sua vida e
de sua missão. Portanto, antes mesmo que seu Filho pregasse aos discípulos o
serviço como expressão concreta do amor a Deus e ao próximo, Maria, no início
de sua gravidez, sai em longínqua viagem de Nazaré à cidade de Judá, para
servir à sua prima Isabel que na velhice concebera um filho e com ela permanece
três meses servindo-a (Cf. Lc 1, 39-56). Antes que Jesus se inclinasse diante
de cada apóstolo para lavar-lhes os pés, Maria, numa relação delicada do amor
materno, já lavara os pés de seu Filho quando criança, dele cuidando
afetuosamente para servir ao plano salvífico de Deus em favor da humanidade.
Na ordem humana, podemos afirmar que foi no lar de Nazaré
que Jesus vivenciou a lição do serviço, com José e Maria, servidores do Pai e o
Espírito Santo.
Na Exortação Apostólica Marialis Cultus (02.02.1974), o Papa
Paulo VI já recordava esse espírito de serviço presente na vida de Maria,
sobretudo em relação à Igreja, família de Deus, onde ela é “como em qualquer
lar doméstico, a figura de uma mulher, que, escondidamente e em espírito de
serviço, vela pelo bem e benignamente protege, na sua caminhada em direção à
Pátria, até que chegue o dia glorioso do Senhor”.
Entre Maria e Jesus há uma terna sintonia que vai se
verificar de forma plena no mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor.
Afirma Paulo VI no citado Documento: “Esta união da Mãe com o Filho na obra da
Redenção (LG 57) alcança o ponto culminante no Calvário, onde Cristo se
ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha (Hb 9,14) e onde Maria esteve
de pé, junto à cruz (cf.jo 19,25), ‘sofrendo profundamente com seu Unigênito e associando-se
com ânimo maternal ao seu sacrifício, consentindo amorosamente na imolação da
vítima que ela havia gerado’ (LG 58), e oferecendo-a também ela ao Eterno Pai.”
Afim de se celebrar bem a Semana Maior que culmina com a
ressurreição do Senhor, a Páscoa, certamente a palavra de Santo Ambrósio em sua
Exposição do evangelho secundo Lucas, nos ajudará: “Que em cada um de vós haja
a alma de Maria para bendizer o Senhor; e em cada um de vós esteja o seu
espírito, para exultar em Deus”.
Dom Gil Antônio
Moreira Arcebispo de Juiz de Fora (MG)
uma publicação do site da CNBB