terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O PAPEL DE MARIA NA OBRA DE ARIANO SUASSUNA, “O Auto da Compadecida”


Este clássico da literatura brasileira apresenta para nós um impressionante enredo, ambientado na região nordeste do Brasil, seu principal personagem é João Grilo. Um homem simples, mas que a realidade sofrida dos nordestinos o fez ser esperto e muito inteligente. O grande momento da obra literária é o julgamento de João Grilo, após sua morte. No Tribunal Celeste, aparece o demônio como acusador dos pecadores, o grande juiz se manifesta com pele negra e é apresentado como Emanuel, Deus conosco, Jesus Cristo Rei do Universo. Por fim, atendendo ao apelo de João Grilo, aparece Maria Santíssima, a Compadecida Mãe de Jesus, como advogada de defesa.
Como advogada, a Virgem Maria obteve um ótimo desempenho, pois conseguiu aliviar a sentença de todos os pecadores: o padeiro e sua infiel esposa, o bispo ganancioso e o padre interesseiro, o cangaceiro assassino e o habilidoso João Grilo. Diante desta cena, podemos perguntar: isto é só imaginação do autor ou tem fundamento na Bíblia e na tradição da Igreja? De imediato, vem a memória a oração da Salve Rainha, quando rezamos: “eia, pois, advogada nossa”, bem como as invocações da Ladainha de Nossa Senhora, quando invocamos a Mãe de Jesus como “espelho de justiça”,  “ refugio dos pecadores”, “consoladora dos aflitos” e “auxilio dos cristãos”. Acredito que o talentoso Ariano Suassuna encontrou sua inspiração nestas conhecidas orações de nosso povo católico. Na Bíblia, encontramos o texto de João 2,1-11, quando a Mãe de Jesus intercede junto de seu Filho em beneficio de uma grande festa de casamento, as bodas de Caná. Quando leio esta passagem bíblica sinto o coração vibrar e junto com os discípulos de Jesus, renovo a minha fé no Filho de Deus.
Acredito que nossa confiança na intercessão de Maria junto a seu Divino Filho não diminui nossa é em Jesus Cristo, como cristãos devotos de Maria devemos sempre praticar os ensinamentos de Cristo, pois somente nossa fé nos justificará. No dicionário de mariologia, encontramos o verbete: “mediadora”, onde o teólogo Salvatore Meo fala que o Concilio Vaticano II preferi os títulos de Serva do Senhor, Filha de Sião, Mãe do Salvador, Sócio do Redentor, e a obra de Maria é expressa como: função materna para com os homens, maternidade na economia da graça, função subordinada. No mesmo verbete nos diz que: “o conceito pleno de da salvação humana inclui pelo menos três elementos fundamentais: libertação, promoção, comunhão... somente Cristo realiza a salvação humana nesta totalidade de significados”.
Existem muitos defensores do quinto dogma mariano, o da mediação de Maria Santíssima, contudo existem também teólogos que não concordam e acham desnecessário. Na Constituição Apostólica Lumen Gentium, encontramos o numero 62 com a seguinte afirmação: “nenhuma criatura jamais pode ser colocada no mesmo plano com o Verbo Encarnado e Redentor.” Assim sendo, nossa redenção é obra exclusiva de Jesus Cristo. Somente Ele nos resgatou do pecado, dando-nos uma vida nova. Nele somos novas criaturas, pelo batismo recebemos a adoção de filhos e filhas de Deus com a força do Espírito Santo para vencermos o pecado em nossa vida.
Pessoalmente, eu prefiro falar de intercessão da Mãe de Jesus, pois os termos: medianeira de todas as graças e co-redentora geram dificuldades de interpretação. Acredito que a declaração de um novo dogma mariano não acrescentaria muita coisa ao depositum fidei. Gosto mais de olhar para a Virgem Maria e vê nela a primeira discípula, alguém que está mais perto de nós como disse o personagem João Grilo da obra de Ariano Suassuna. Quanto mais falarmos de Maria como criatura humana e não uma semideusa nos ajudará a viver plenamente nossa verdadeira fé em Jesus Cristo. O papa emérito, Bento XVI disse em Aparecida: “Maria Santíssima é para nós escola de fé destinada a nos conduzir e nos fortalecer no caminho que conduz ao encontro com o Criador do ceu e da terra.” (DA 270).
Autor: Padre Ermindo Rapozo de Assis